quarta-feira, 12 de agosto de 2009

FRAGMENTOS DO BRASIL VI - MARLEIDE

Mal o sol despontou e Marleide já está de pé no pequeno barraco da invasão. Fez um cafezinho fraco e acordou as crianças. É a hora da escola e ela precisa sair para o trabalho. O córrego que passa ao lado do barraco traz boiando o cadáver de um animal. Não dá para saber o que é. O cheiro de merda habitual reina no ambiente. Sobre a água, a névoa típica do inverno. Jucicleia, a filha mais novinha, acorda tossindo.
- Mãe, tem café?
- Toma.
- Só isso?
- É. Depois você come na escola.
- Eu não quero comer na escola. Quero comer em casa. Mãe, os filhos do governador comem na escola?
- Não. Acho que eles enchem o cu de sucrilhos em casa mesmo.
As outras crianças vão acordando. Todas tossindo. Criança tosse de manhã. Pobre tosse mais.
- Mãe, o Anderson peidou embaixo do cobertor.
Um ronco sinistro, intermitente e indecifrável vem de longe. É a megalópole despertando. Marleide lembra que, na hora do almoço, precisa passar na Caixa para pegar o bolsa família, o dinheirinho vazio, minguado e inútil. Marleide não é besta. Que não contem com o voto dela. A rama verde está molhada de orvalho. Um sol de brilho de cristal desponta no céu. Logo logo vai esquentar.

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