segunda-feira, 3 de agosto de 2009

FRAGMENTOS DO BRASIL IV - A DOCE DORALICE

Doralice conheceu o Fud ainda nas carteiras do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Como todo bom colégio católico, havia no prédio um jardim interno, com muito verde, com rosas e gerânios cor de sangue, e bebedores para colibris, que sempre apareciam para alegrar as manhãs frescas. Era ali que Doralice se sentava, nos bancos de madeira talhada, para namorar com o Fud na hora do recreio. Doralice era a mais bonita da classe, embora, parecia, não desse muita conta disso. Carregava com a beleza uma rara dose de modéstia e simplicidade. Nas roupas e no espírito. Era de pais italianos, mas tinha o apelido de "Perla", devido a beleza morena e os cabelos lisos, negros e brilhantes, que iam até a cintura, iguais aos da cantora paraguaia. Já Fud era um menino comum. Nem belo nem feio. Mas que teve a ventura de ser amado por Doralice. Quando ela anunciou o namoro em casa, o pai, seu Alaor, sargento da aeronáutica, prestimoso, mas um urso grizly quando o assunto era homem se aproximando da filha, teve um troço:
- Quem?
- O Fud, pai.
- Queeeemm??
- Fud, o filho da dona Ermelinda.
- Aquele cachaceiro?
- Não, papai.
A contragosto, o velhão aceitou o casamento. Amor de filha não dá para combater. Demais a mais, o rapaz não era santo, mas também não era o demônio. Pedir aceitação do sargento Alaor, no entanto, era muito. Ainda mais que Fud levou a menina para morar no subúrbio. A coisa somente deu uma guinada de 490 graus quando Fud foi aprovado no concurso público da Bundabras. Alaor virou outro. Era todo sorrisos e gentilezas com o genro. Dizia sobre o rapaz, para as visitas, nos aniversários de família:
- É meio cachaceiro, mas boa pessoa. É bugrino e até gosta de pescaria o lazarento.
E assim correram os anos. Muitos foram de felicidade e de sorrisos pelos corredores da pequena casa do subúrbio, de onde Fud não se mudou, embora na época da Bundabras pudesse tê-lo feito, onde nasceram os filhos (Carlinha e Fud Junior), ou outros, raros, de tristeza, como no dia da morte da avó do Fud, que o criou.
Hoje, como sabemos, Doralice ainda mora no subúrbio, com Fud, que perdeu o bom emprego, vítima do processo político perverso. Ainda está bela. Envelheceu um pouco, mas nem de longe perdeu o brilho dos cabelos e a cintura de pilão. O sorriso carnudo e de dentes perfeitos ainda reina no rosto de tez macia. E Doralice está feliz. No meio da tarde, alguns cães ladram e a campainha toca. É dona Marcinha, a vizinha da casa de cima, que chega falando ansiosa sobre o aniversário da nora. Quer fazer reflexo e as unhas. Doralice atende com um sorriso de anjo. A felicidade de Doralice nunca esteve na casa, modesta, e sequer nas roupas, também modestas. A felicidade de Doralice está no amor que sempre sentiu por Fud, o sortudo filhodaputa.

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