sexta-feira, 31 de julho de 2009

FRAGMENTOS DO BRASIL III - FUD E IDO

Meio de semana. Cai a tardezinha amarelada e Fud e Ido, aqueles dois ex funcionários da Bundabras, empresa federal privatizada por FHC, estão no mesmo boteco de sempre. Algumas andorinhas fazem algazarra no ar. Se em tempos de antanho elas eram a maioria e chegaram até mesmo a simbolizar o glorioso apelido de cidade das andorinhas à urbe campineira, hoje se foram. Como a prever o futuro dos falsos progressos, os blocos maciços tornaram-se apenas pequenos fios, ou indivíduos esparços voando rápido e solitários no espaço azul, deixando as revoadas majoritárias do crepúsculo para a beleza pobre dos pardais e das pombas. Fud aponta algo, tentando disfarçar:
- Ido, aquela ali, que acabou de chegar abraçadinha com aquele grandão, não é a Meire, sua ex?
Ido olha de soslaio, constrangido:
- É.
- Que coisa, hein? O seu casamento acabar assim.
Os olhos de Ido ameaçam marejar.
- Hoje são somente lembranças.
Ido confere de esgelha, os olhos levados à raiva contida.
- Olha ela, a bruxa má do meu coração partido. Lembro como se fosse hoje. Depois do expediente na Bundabras, em tardes assim como esta, amareladas e cheirosas, as crianças ainda na escola, eu chegava em casa e a Meire chegava junto comigo, vinda de algum chá, e nós estávamos prontos para o amor.
Ido tem os olhos avermelhados. Fud o consola:
- Que é isso, cara. Bola pra frente.
- Pra você é fácil falar. Sua mulher é compreensiva. Você ficou sem o emprego na Bundabras, bebeu o bar e ela nunca te pressionou. Hoje ainda te ajuda, fazendo unhas, como uma Amélia.
- É. Verdade.
- A Meire não. A Meire é vaidosa e ambiciosa. Quando eu fiquei sem o emprego da Bundabras e montei aquele sebo brechó, a Meire inicialmente me apoiou. Depois, como o brechó foi pro saco e o sebo foi pras picas e eu comecei a ficar endividado, ela me abandonou. Pegou as crianças, que hoje eu não sei nem onde estão, e se mandou.
- Putaqueupariu.
- Hoje eu não pago nem a pensão das crianças, Fud. A Meire só não me põe na cadeia por pena.
E repetiu, às lágrimas:
- Pena, Fud. Pena!
Fud dá uma conferida na situação da Meire:
- Porra, chupão na orelha e no pescoço, beijão de língua e mãozada no meio das pernas? A pena que ela tem de você também foi pro saco, meu amigo.
Ido abaixa a cabeça. Algumas lágrimas de corno despencam no pratinho de salame. Na mesa, duas garrafas de Xereca Pilsen vazias. Uma ambulância passa ecoando, com pressa. O manto da noite já vai vencendo a tarde laranja. Quem a ambulância carrega? Seria um moribundo a deixar esta existência? Seria um nascituro a encontrá-la?

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